· 2023
Bioética não é confortável. Confortável são os costumes e os hábitos. A bioética aponta incoerências e questiona costumes, alguns nos quais antes sequer havíamos percebido que havia um por quê de fazer daquele jeito. Desde os primeiros relatos de Ética de que temos notícias, desde a época de Sócrates (o filósofo, não o jogador, que por sinal, também questionava), estas perguntas têm feito seu papel de trazer novas reflexões, novos debates, novos diálogos, novos consensos e entre trancos e barrancos, a despeito das injustiças e das tragédias, ao longo dos séculos seguimos com uma melhoria discreta e contínua na nossa história como sociedades. Nem sempre com momentos felizes. Vide a história do próprio Sócrates. Mas penso que é assim mesmo, nossa história não é só feita de momentos felizes. E às vezes, são justamente os momentos de desconforto, de tristeza, de injustiça, que nos mostram quem realmente somos. Pelo quê vale a pena lutar, questionar, enfrentar. Quem são as pessoas que queremos ao nosso lado. Isto tem tudo a ver com o momento em que vivemos. Onde questionamentos podem ser mal-vistos e não tolerados. Onde injustiças são comuns, e forçadamente esquecidas ou apagadas. Onde tristezas são abafadas. Por isso precisamos mais do que nunca da Bioética. Por isso precisamos desse livro. Por isso precisamos destas autoras, que com coragem, com integridade, com conhecimento, questionam. Chamam mais vozes para o debate. Propõem. Constroem novos diálogos e buscam novos consensos. Você não precisa concordar com tudo. Mas talvez seja esta busca por coerência, por conhecimento, por justiça que seja a maior potência deste livro. Não é o fim do caminho. É mais um grande passo. Obrigado Luciana e Ursula e todos os autores e autoras. E você, leitora e leitor, seja bem-vinda a esta caminhada. Espero, do fundo do coração, que seja pelo menos um pouco desconfortável. E que seja também inspirador e que estes novos diálogos nos tornem um pouco melhores como um grupo de sapiens habitando este planeta pequenino vagando num cosmos imenso e desconhecido. 29 de setembro de 2023, Daniel Neves Forte. Médico com área de atuação em Medicina Paliativa.
· 2023
SOBRE A OBRA "Fernanda Schaefer e Frederico Glitz reuniram um time de craques para tratar de um tema que está (ou deveria estar) na ordem do dia: a telemedicina. O uso da tecnologia na saúde altera a prática médica em todo o mundo e, incrementada pela necessidade de combate a pandemia COVID, a telemedicina fatalmente vai dar seu frog jump. Do uso emergencial logo estaremos no seu uso corriqueiro, duradouro, permanente (o que já vem acontecendo, às vezes imperceptivelmente: me ocorre o exemplo do Telessaúde Brasil Redes e suas estratégias de teleconsultorias e telediagnósticos, entre outras aplicações ligadas à saúde digital). Doravante, diagnósticos e tratamentos médicos não serão mais – pelo menos em boa parte – presenciais. A telemedicina será a medicina. A regulação da telemedicina tem se dado por intermédio de normas infralegais, notadamente por resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM). No plano legal, temos apenas a Lei no 13.989/2020, que trata do uso emergencial dela nos tempos da pandemia. Aliás, pouca gente atentou, mas a lei foi vetada em dois dispositivos: o parágrafo único do art. 2o (que reconhecia validade às receitas médicas em suporte digital) e o art. 6o que remetia a regulação da telemedicina, para depois da pandemia, ao CFM. O Congresso derrubou ambos os vetos. E isso revela que o CFM reassume o protagonismo no assunto. Convém, entanto, não esquecer o princípio da legalidade, ainda atuante e fundamental em nossa ordem jurídica. Como resolver esse imbróglio? Não que o CFM não faça sua parte, e talvez o faça bem. Recolho, aleatoriamente, algumas normativas que tratam do assunto, direta ou indiretamente: a Resolução 2.299/2021 normatiza a emissão de documentos médicos eletrônicos; a Resolução 1.643/2002 define e disciplina a prestação de serviços através da telemedicina (a definição ali dada é: o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em saúde); e a Resolução 1.821/2007 trata da digitalização e uso dos sistemas informatizados para a guarda e manuseio dos documentos dos prontuários dos pacientes. Mas o busílis da regulação é bem revelado no próprio Código de Ética Médica (Resolução 2.217/2019): enquanto o art. 37 diz que é vedado ao médico prescrever tratamento e outros procedimentos sem exame direto do paciente (salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente depois de cessado o impedimento), o art. 32 veda ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. É bem verdade que o próprio Código de Ética diz, no § 1o do art. 37, que o atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do CFM. Ora pois, é necessário regular". Trecho do prefácio de Eroulths Cortiano Júnior
· 2021
""Aos 24 anos fui diagnosticada com câncer de mama. Aos 29 anos, com câncer de mama metastático, hoje tenho 34. Uma doença considerada incurável pela medicina. Uma doença. Sou Maria Paula Bandeira e me benefício dos Cuidados Paliativos há anos e acredito que essa "bolha" deve ser estourada para que todos possam encará-los como necessários objetivando garantir o conforto, seja para mirar melhor qualidade de vida, seja para visar melhor qualidade de morte. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em conceito definido em 1990 e atualizado em 2002, "Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, por meio de identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais". A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou com muita clareza diversos Direitos Fundamentais, dentre eles o direito à Vida, à Saúde e à Dignidade da Pessoa Humana. O olhar para a pessoa, em sua individualidade, com suas particularidades e prioridades, se contrapondo à visão da doença em si, é de extrema importância. Não somente pelos médicos e profissionais de saúde, mas pela sociedade como um todo. Muitas vezes o tratamento com intuito paliativo é confundido com Cuidados Paliativos. No "mundo" jurídico não é diferente, uma vez que existem aspectos que ainda precisam nele serem abordados para que se criem normativas que garantam Cuidados Paliativos para todos e temos observado que tem partido da judicialização. E é nisto que consiste o livro Aspectos Jurídicos dos Cuidados Paliativos, com coordenação de Luciana Dadalto, a quem admiro profundamente há anos. Cada operador do Direito pode cumprir com maestria o seu papel na história do outro, sem se colocar no lugar do outro, já que cada história é única". Trecho do prefácio de Maria Paula Bandeira "