· 2021
"Como fio condutor de todos esses trabalhos, há uma firme preocupação em se analisar conflitos e problemas pertinentes ao direito civil, sob a luz dos princípios constitucionais, com a aplicação da metodologia do direito civil constitucional. A partir dos anos 80, quando a metodologia aportou no cenário brasileiro pelas mãos dos professores Gustavo Tepedino e Maria Celina Bodin de Moraes, tem-se observado uma adesão expressiva de muitos pesquisadores e juristas que defendiam a possibilidade e importância da aplicação direta das normas constitucionais às relações privadas. Mesmo com a sua repercussão no meio jurídico, a metodologia tem sido objeto de significativa confusão conceitual. Sua proposta é bem distinta da mera constitucionalização ou publicização do direito civil. Orienta o intérprete a analisar os perfis estrutural e funcional dos institutos do direito civil, na unidade do sistema, cuja coerência é garantida pela Constituição e os valores de justiça por ela carreados. Também se credita a essa metodologia, a preocupação atenta com a realidade social na qual transitam os diversos institutos, cuja aplicação não pode se fazer sob a indiferença dos múltiplos fatores que repercutem no mundo dos fatos. Pela valoração das normas constitucionais e o cotejo da realidade social, o intérprete transcende as técnicas meramente subsuntivas de aplicação da norma, sem esbarrar no retorno ao que propôs a Escola do Direito Livre. Na sua jornada hermenêutica que perquire sobre o merecimento de tutela aos diversos interesses acolhidos na unidade do sistema jurídico, deve buscar a realização dos valores fundamentais do ordenamento, em especial, os valores existenciais pertinentes à pessoa humana, vinculando-se não apenas ao mero respeito da lei, mas à realização da justiça do caso concreto, mediante uma argumentação bem elaborada, estruturada e coerente apta a oferecer sólida fundamentação à sua decisão. Essa coletânea tem por escopo apresentar as bases teóricas da metodologia e a sua aplicação em diversas situações específicas, apontando não apenas suas virtudes, mas os seus pontos mais frágeis e suscetíveis de críticas."
· 2021
O reconhecimento dos direitos de personalidade e a soma dos direitos fundamentais lastreados no princípio-garantia dignidade da pessoa humana não tem sido suficientes para debelar as práticas sociais discriminatórias em virtude de fatores como gênero, idade e deficiência. Persiste no imaginário social, a figura do sujeito de direitos abstrato, inserido na sua normalidade e autonomia insular que findam por diminuir e invisibilizar aquela pessoa que traz consigo um ou vários traços de vulnerabilidade. Quando fatores como gênero e deficiência se associam à certa condição social, nacionalidade e cor, potencializam as práticas de discriminação e de opressão das identidades, desafiando as doutrinas antidiscriminatórias. A sinergia entre essas diversas fontes de discriminação demanda que o enfrentamento também se faça de forma sistêmica, segundo o paradigma da interseccionalidade. Nessa perspectiva, a análise de gênero e deficiência como fatores de discriminação e vulnerabilidade no âmbito do direito privado, esbarrará, inequivocamente, na interseccionalidade – ou seja, na interação sinergética entre diversas modalidades de discriminação que vulnera ainda mais a pessoa. Mais vulnerável e espoliado em sua autonomia será aquele que sofre os efeitos sinergéticos de múltiplos fatores de opressão e discriminação.
· 2024
"À luz da ordem constitucional inaugurada em 1988, a proteção jurídica estendeu-se a todas as formas de família, consideradas igualmente fundamentais para a sociedade. Se é verdade, como já tive oportunidade de afirmar, que o Código Civil é mesmo obra de um pensamento estruturado, emergente de um sistema de normas de direito privado que corresponde às aspirações de uma dada sociedade,1 não é demais repetir que o Direito Civil contemporâneo, em consequência, é reflexo de um tempo que se firma a partir da segunda parte do século XX, e mais diretamente, entre nós, a partir da Constituição de 1988, que redemocratizou o País. O Direito das Famílias absorveu essa transição. O casamento sempre foi disciplinado por regras claras fixadas em lei, enquanto o concubinato/união estável, como "espaço do não instituído, do não oficial e do informal",3 não tinha um estatuto regulatório. A aplicação, a partir de 1988, do termo "união estável" reflete forma de evitar o estigma social que ainda se associava à família de fato. O Direito da Família matrimonial converteu-se no Direito das Famílias, que protege todas as formas de núcleos familiares humanos. A Editora Foco, decorridos trinta e cinco anos desde 1988, nessa quadra histórica em que já podemos celebrar a maturidade democrática da Constituição Cidadã, vem brindar a comunidade jurídica nacional com a obra que o leitor e a leitora têm em mãos, que reúne lições de civilistas sobre o instituto da união estável". Trecho do prefácio de Luiz Edson Fachin
· 2024
"O presente livro, em sua segunda edição, inclui algumas das mulheres que têm escrito, nas suas áreas de atuação, uma "nova" história que denuncia e reivindica por igualdade de gênero, atenção às vulnerabilidades e um olhar diferenciado sobre o cuidado, na tentativa de alinhar o Direito Civil aos direitos humanos e fundamentais. São elas, juristas brasileiras comprometidas com a tarefa de analisar criticamente o Direito, em especial, o Direito das Famílias. Tornaram-se audíveis nas Universidades, por meio de suas atividades de ensino e pesquisa, no Ministério Público, no Judiciário, na advocacia pública e privada. Seu desempenho tem deixado marcas indeléveis, tanto pela seriedade com a qual desempenham sua profissão, quanto por acreditarem em um Direito das Famílias democrático, atento às demandas sociais, aos direitos fundamentais e à autodeterminação da pessoa. Compartilham o entendimento de que é na família que melhor se experimentam o vínculo de solidariedade e os laços de afeto, sem a ingenuidade de imaginar o ambiente familiar como um locus imune ao conflito e à violência. Na análise dos institutos do Direito das Famílias, as autoras adotam como pressuposto a percepção do Direito como um fenômeno social que transcende às categorias ortodoxas das codificações oitocentistas. Um Direito cuja matéria-prima são os fatos sociais, razão pela qual as soluções jurídicas são sempre contingenciais e adequadas aos contextos sociais específicos. Afinal, para fundamentar a sua obrigatoriedade, o Direito necessita de uma teoria do consenso social". Trecho de apresentação das coordenadoras Joyceane Bezerra de Menezes Ana Carla Harmatiuk Matos